RESENHA
BAUMAN, Zygmunt. O Segredo mais Bem Guardado da Sociedade de Consumidores.
In: Vida Para Consumo. RJ: Jorge Zahar, 2008. p. 7-35.
Caso 1, Caso 2, Caso 3; assim está dividida a primeira parte desta introdução à
obra Vida Para Consumo, onde Bauman teoriza sobre a transformação das pessoas em
objeto de consumo, e apresenta conceitos como fetichismo da subjetividade .
Os três casos aos quais se refere são matérias folheadas por ele no jornal Guardian, de 2 de
março de 2006.
O Caso 1 trata do sucesso das redes sociais na Internet, websites como Orkut,
Myspace, Facebook, que têm por princípio de uso o intercâmbio de informações
pessoais e detalhes íntimos. Para Bauman, isso não é um fator apenas definido pela
idade, restringido aos jovens, mas uma crescente evidência em todos os setores do que
chama de mundo líquido-moderno dos consumidores , sendo que estes jovens são
apenas aprendizes dentro de uma sociedade confessional notória por eliminar a
fronteira que antes separava o privado e o público, por transformar o ato de expor
publicamente o privado numa virtude e num dever públicos (p. 9-10).
O Caso 2 reflete como sistemas informatizados estão sendo utilizados em
empresas para calcular o valor de seus clientes; a partir disso, por exemplo, uma
pessoa pode acabar esperando mais ao telefone para ser atendida, do que outra. Os
clientes são avaliados e classificados, havendo os mais e menos valiosos, tornando
possível rejeitar consumidores falhos .
Charles Clarke, o ministro britânico do Interior, é o sujeito que gera o Caso 3.
Ele anunciou em 2006 o uso de um novo sistema de controle de imigração, baseado em
pontuações e destinado a atrair somente os melhores e mais inteligentes . Bauman
redefine a frase, dizendo que se trata na verdade de aqueles com mais dinheiro para
investir, e mais habilidades para ganha-lo (p. 11), e afirma que sistemas semelhantes
que reduz os seres humanos à regra do mercado de escolher o melhor produto da
prateleira vêm sendo usado em outros lugares no mundo, sob o nome de imigração
seletiva .
A razão que conecta os três casos é o fato de que as pessoas no mundo líquidomoderno
são estimuladas ou forçadas a se promover como uma mercadoria atraente e
desejável (grifo do autor). Elas são ao mesmo tempo promotoras das mercadorias e as
mercadorias que promovem, e este é o cerne de toda a pesquisa do livro de Bauman. A
sua pesquisa é um acréscimo às perspectivas sob as quais o fenômeno do consumo
moderno vem sendo examinado até agora. Segundo ele, os principais temas do livro são
a invasão, a conquista e a colonização da rede de relações pelas visões de mundo e
padrões comportamentais inspirados e feitos sob medida pelos mercados de produtos,
assim como as fontes de ressentimento, dimensão e ocasional resistência às forças de
ocupação, da mesma forma que a questão dos limites intransponíveis (se existe algum)
ao domínio dos ocupantes(...) (p. 35). A divisão do livro é feita em três capítulos, após
este introdutório, que são especificamente os três tipos ideais propostos por Bauman:
o do consumismo, o da sociedade de consumidores e o da cultura consumista. As bases
metodológicas e a importância cognitiva desses tipos ideais estão incluídas no primeiro
capítulo, consumismo versus consumo .
Alguns dos nomes citados ao longo deste texto introdutório e que embasam a
pesquisa são Siegfried Kracauer, pensador do final da década de 1920; Jürgen
Habermas; Arlie Russell Hochschild; Don Slater; Germaine Greer; Karl Marx; Karl
Polanyi; Bruno Latour; O muito citado hoje Georg Simmel, autor de Sociologia dos
Sentidos ; Anthony Giddens e Ivan Klima, ambos pesquisadores das mudanças relações
familiares e amorosas na atualidade; e John Brewer com Frank Trentmann, em um
estudo sobre as muitas faces do consumismo.
Inicialmente Bauman apresenta os processos de mudança nos pensamentos sobre
mercado e trabalho, assim como as preferências entre empregadores e empregados.
Segundo o autor, o desmantelamento de mecanismos de barganha como sindicatos de
trabalhadores, os processos de desregulamentação e privatização, confluem para o que
Arlie Russel Hochschild chama de empregados chateação zero , que são flutuantes,
descomprometidos, flexíveis e em última instância descartáveis. Fatores como ter filho
e esposa aumentam o coeficiente de chateação para as empresas que querem sugar o
máximo que a capacidade do empregado possa oferecer, ao modelo de um robô e tal
qual naquele filme brasileiro O homem que virou suco .
Define a sociedade de consumidores como aquela onde o encontro dos
potenciais consumidores com os potenciais objetos de consumo tende a se tornar a
principal unidade na rede de interações. O que a diferencia de outros tipos de sociedade
é o embaçamento e em última instância a eliminação das divisões entre as coisas a
serem escolhidas e os que as escolhem (grifo do autor). Para Bauman, na sociedade de
consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria (p. 20).
Karl Marx escreveu sobre o fetichismo da mercadoria . Isso se tratava de um
hábito de omitir, nas movimentações mercadológicas, a interação humana, como se as
mercadorias travassem relações entre si a despeito da mediação dos homens. Segundo
Bauman, no caso do fetichismo da subjetividade o hábito é o de ocultar a realidade
demasiado comodificada da sociedade de consumidores. A subjetividade na sociedade
de consumidores é a construção de uma identidade pública através da compra e venda
de símbolos. A descrição do sujeito adquire a forma de uma lista de compras. Dentro
destes aspectos, Bauman faz uma análise de sistemas de agenciamento de encontros na
Internet, onde os participantes se sentem atraídos pela facilidade de escolher os outros
como objetos em uma prateleira - analisando suas qualidades e defeitos - embora haja
um desconforto que aumenta quando se percebe que as complicações de um
relacionamento humano persistem e também que nessas transações eles não só são
sujeitos como também objetos no catálogo de outros. O sujeito se torna, por fim, um
selecionador em uma sociedade de selecionadores, onde todos se escondem ao mesmo
tempo em que se expõem virtualmente, visto que agora, na era dos desktops, dos
laptops, dispositivos eletrônicos e celulares que cabem na palma da mão, a maioria de
nós tem uma quantidade mais do que suficiente de areia pra enterrar a cabeça (p.27).
Para Bauman, a ilusão ou mentira que é base do fetichismo da subjetividade
encontra sempre a mesma barreira, que é a resistência do sujeito humano à
objetificação.
Prossegue sua pesquisa partindo para as relações de amor, em que os cônjugues
são trocados tal qual se espera de um produto que vem de fábrica com uma curta
expectativa de vida (proclamada na estratégia de marketing e cálculo de lucros). As
relações são centradas na utilidade e na satisfação própria, e a principal maneira de
enfrentar a insatisfação é descartar o objeto que a causa. O Amor passa a ser portanto
quase uma ilusão na sociedade de consumo, pois esta se trata muito mais de algo como
ganhar na loteria do que de um ato de criação e esforço. A isso se junta uma idéia
propagada de que o atar e desatar de vínculos seja uma ação moralmente adiafórica
(indiferente, neutra), o que livra o sujeito de qualquer responsabilidade, necessária a
princípio, para com o outro.
Assim, Zygmunt Bauman encerra a introdução de sua obra, realizando um breve
resumo do que será abordado ao longo da pesquisa, e já definindo bem suas bases e
novas contribuições teóricas com uma linguagem simples e clara, no entanto, sem
conclusões, segundo ele, como tende a ser qualquer reportagem enviada do campo de
batalha (p.35).
Saul Edgardo Mendez Sanchez Filho. Mestrado em Cultura e Turismo/DLA/UESC. Pesquisador
bolsista/CAPES. Orientadora: Profa. Dra. Maria de Lourdes Netto Simões. Grupo de Pesquisa ICER
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